14 de Outubro a 11 de Novembro de 2022

Vista da Exposição.
EXPOSIÇÃO COLECTIVA:
Susana Rocha e Beatriz Coelho
TEXTO:
Francisco Correia
Costuma-se dizer “há uma linha que separa...” – seguida de duas palavras quaisquer
colocadas em oposição por conveniência do orador. Essa linha é traçada de modo a validar um
juízo moral ilustrado através de uma suposta incompatibilidade entre duas coisas em tensão,
uma que é tolerável e outra obscena. Daí que nos sejam familiares expressões como “há uma
linha que separa a extravagância da indecência”, ou “há uma linha que separa o lazer da
preguiça”; ou ainda “há uma linha que separa um guardanapo de um exaustor” – Ah pois!
Agora digam-me lá se tenho ou não tenho razão, esta última aposto que nunca ouviram.
A espécie humana vive obcecada em estabelecer limites, e só assim parece ser capaz
de suportar o mundo. Todos os dias concordamos com limites tão abstratos como fronteiras
entre países, com leis ou até com regras de boa educação. Se por um lado podem parecer
absurdas, é provavelmente por culpa dessas convecções que, contra todas as probabilidades,
ainda estamos vivos. É que também a estupidez tem limites e, portanto, em vez de nos
gladiarmos todos os dias por uma maçã debaixo da árvore, cooperamos em grande escala para
garantir que há maçãs todos os dias no supermercado.
O limite é o lugar onde as formas se tendem a tocar. É um lugar de permutas, o espaço
que sobra: Entre. Se ampliarmos muito, Entre transforma-se numa avenida larga onde se veem
as luzes dos carros e das bicicletas, e se ouve o barulho ensurdecedor dos aviões a passarem a
baixa altitude. Essa avenida é ladeada por edifícios, uns mais altos outros mais baixos; uns em
bom estado outros em obras. Há cafés, bares e restaurantes, embora já se note bastante que a
maioria só quer agradar aos turistas.
O que é que fica entre duas formas quando se tocam? Não. O que é que fica entre
duas formas quando se transgridem? Não decidi ainda se Entre desaparece ou se é tudo aquilo
que resta.
Hoje em dia vou pouco ao Facebook. Mas quando vou, vejo vídeos de prensas
hidráulicas a esmagarem coisas em câmera lenta. Há um suspense hollywoodesco na forma
como o martelo avança sobre o objeto a vitimar. Honestamente o prazer que encontro nestes
vídeos não está no momento em que os objetos sucumbem, antes na tensão das formas, que
durante 1 ou 2 segundos parece poder durar para sempre.